Educar as crianças como cães é um alívio para muitos pais

26-05-2010 00:20

Especialistas dividem-se. Uns não misturam aprendizagem de seres irracionais e racionais. Outros defendem que há técnicas de psicologia canina que se podem aplicar. Com cuidado, para que as crianças não se tornem autómatos.

Crianças educadas como cães? Dito assim parece uma provocação, mas alguns especialistas defendem que é preciso entender a analogia retirando a carga negativa que atribuímos aos animais domésticos. ´É preciso encarar esta ideia sem preconceitos. Não esquecer que todos os mamíferos têm uma matriz de funcionamento semelhante´, explica o pediatra Mário Cordeiro. Quanto mais novo é um animal, mais os seus comportamentos são instintivos. ´E as crianças, como ainda não estão moldadas socialmente, exibem comportamentos muito parecidos com os dos outros animais.´

Reparemos então nas coisas em que uma criança se parece com um cão. Ambos imitam comportamentos, não conseguem aprender sozinhos a ser obedientes, reagem a recompensas ou a punições, precisam de líderes e de referências. ´É difícil admitir, mas a verdade é que muitas vezes só funcionamos com a cenoura à frente do nariz´, conta a psicóloga infantil Rita Jonet.

Foi portanto com base nesse conceito que os especialistas norte-americanos em comportamento animal passaram a defender os métodos usados no treino dos cães para educar crianças desobedientes. A receita teve êxito imediato e nos blogues americanos até já existem pais a suspirar de alívio: as técnicas usadas por Cesar Millan - fundador do Centro de Psicologia Canina em Los Angeles e apresentador do programa ´The Dog Whisperer´ no canal National Geographic - funcionam também com crianças, confidenciam alguns pais. ´Assim que o vi trabalhar com um pit bull extremamente agressivo´, escreve uma mãe no seu site, minti.com, ´descobri que algumas dessas técnicas e filosofias se aplicavam às crianças´.

Mas esta questão não é consensual junto dos especialistas em educação. Libério Ribeiro, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, não concebe sequer que se possam aplicar à educação de uma criança os métodos usados para domesticar um cão: ´Estamos a misturar seres irracionais com seres racionais.´ Se a educação de um cão ´é feita à base de reflexos condicionados pavlovianos´, limitar a educação de uma criança a esses reflexos ´é redutor´, adianta o pediatra. ´Numa primeira fase, a criança tem reflexos condicionados, mas passa rapidamente a ter elementos cognitivos. Os pais podem incentivar ou não um comportamento, mas depois a criança desenvolve o seu sentido de crítica e a sua moral. O cão, por outro lado, não tem moral nem espírito de análise, responde sempre da mesma maneira.´

A pediatra Maria José Lobo Fernandes admite que essa terapêutica comportamental pode dar resultados, mas não pode ser a única. ´Não é na obediência cega que devemos educar uma criança. Devemos ensiná-la a tomar as decisões acertadas, e não transformá-la num autómato.´

 

Fonte: iOnline